quinta-feira, 1 de junho de 2017

As viúvas da pesca

Li há uns tempos um post onde falava das viúvas do triatlo. Inicialmente estranhei o título e texto, mas optei por continuar ler para tentar compreender do que falava o texto. Percebi então que não são viúvas no estado civil, mas sim no estado de espírito, na forma como "perderam" os maridos para um desporto, para um hobbie que consome tudo à volta.

Dos vários desportos que existem, é possível que a pesca dos que mais tempo e disponibilidade poderá consumir. Por não ter um prazo pré-definido, uma pescaria de 30mins ou 1h, pode tornar-se numa noite inteira... Alguns mais corajosos e aventureiros chegam mesmo a fazer dias seguidos.
São precisas bastantes horas perto da água, ao frio, à chuva, com dores de costas e braços. Esta ausência do lar, muitas vezes quase religiosa, leva a que surjam as viúvas da pesca.

Mas serão todas as viúvas iguais?

A resposta é não.

Pode-se identificar pelo menos três tipos de viúvas: a negra, a alegre e a do além.

A viúva negra

Esta será a pior e mais temida de todas... Não aceita a morte da sua cara metade. Não existe a pesca, não há espaço sequer para referir tal palavra! Canas e amostras estão proibidas de serem referidas e ai dele que diga que já comia umas iscas de cebolada! Se for passível de ser associado à pesca, mais vale estar morto...
Viúva negra....
A preparação de alguém que tenha uma viúva negra terá que ser feita em segredo, escondido qual narcotraficante a atravessar a fronteira com um carregamento valioso. Preparar o material só em segredo e bem longe da vista, comprar umas amostras ou carreto novo e rapidamente o esconder, fazer uma pescaria rápida e a correr para depois ir buscar os filhos à escola ou pôr na natação...
Sempre que na casa de uma viúva negra se disser que hoje à noite ou amanhã de manhã vai haver uma pescaria, segue-se um silêncio sepulcral, estranho e desconfortável, seguido com uma mudança de assunto e possivelmente comportamento.
Esta viúva não gosta, não suporta, não admite e não se orgulha da pesca ou do seu pescador. O mar levou-lhe o marido e não se fala mais nisso.

Mas também existe o oposto, a viúva alegre...

A viúva alegre

Esta viúva é aquela a quem saiu a sorte grande, dá graças a Deus e todo o tipo de entidade divina por terem inventado os peixes e ao homem das cavernas por ter inventado o anzol!
"Eu adoro quando ele vai à pesca, é uma maravilha ter um fim de semana só para mim!"
"Vais à pesca de manhã e à tarde ficas tu com os miúdos que eu assim vou ali aos saldos com as minhas amigas!"
Viúva alegre....!
"Oh mor, hoje depois do jantar vou à pesca e só volto amanhã de manhã" e ela pensa logo "que sorte!! hoje vou poder ver a novela descansada, não o vou ouvir a ressonar e ainda tenho pão fresco logo pela manhã!"
O problema das viúvas alegres é a facilidade com que enterram o marido e deixam a vida continuar... Talvez também andem "à pesca", muito cuidado!

Por fim, existem as viúvas do além...

A viúva do além

Estas não acreditam que o marido se perdeu para sempre. Acreditam que passou para o lado de lá. E elas querem ir com ele.
Usam a pesca como ligação ao lado de lá. Participam, não participando. Vão acompanhando as viagens longas pela noite fora e dormem no carro, por vezes com o filho por perto para não ficar sozinho em casa.
Preparam o material como podem, ajudam a seleccionar as amostras como podem, antecipam/atrasam refeições para coincidir com o horário definido para a pescaria. Qual a roupa que devem levar, terá frio ou não, preparam uma muda de roupa caso algo aconteça, relembram o facto de ter referido que a lanterna estava fraca das pilhas.
Quando chega a hora de rumar ao mar, o pensamento da viúva do além costuma ser, “ele foi tão cedo… Tinha tanto para lhe dizer… Nem lhe verificar como está a linha do carreto..."
Tudo é ligação à nova qualidade do seu amado, amanhar um peixe fresco capturado por ele, um colete sujo que será lavado com o maior dos cuidados, um video feito durante a captura que irá ver em loop....
Viúva do Além!
Esta ligação e apoio faz toda a diferença. Ter alguém que sabe e compreende os momentos difíceis que por vezes surgem, aquele esforço e dedicação é recompensado mil vezes mais que qualquer captura.
Um simples "boa sorte" ao partir ou um "como correu?" ao chegar exausto, molhado e com frio são simplesmente isso, coisas simples. Mas que fazem a diferença!

É preciso ter o maior respeito e admiração por quem consegue viver, respirar e acompanhar esta loucura, mania ou bichinho da pesca. Demora-se sempre mais do que o estipulado, as 2h de pesca rápida transformam-se por vezes em 3h ou 4h. Não merecem o mau humor ao acordar depois de algumas horas de sono e uma fraca noite de pesca.
Não merecem um resmungar quando se chega a casa com uma cana partida ou um carreto pêrro e ainda tentam animar dizendo que tudo se resolve e no dia seguinte irão a correr à loja de pesca mais próxima!...

Quando, da próxima vez que estiverem à pesca, estiverem perdidos nos pensamentos, pensem nisto!

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